Em tempo de remédios falsificados e laboratórios incompetentes, vale a pena lembrar deste consumidor compulsivo que faz da bula Bíblia: o hipocondríaco. Ele padece do mal de ter a mania das doenças e adora tomar remédios. Ao passar à porta da farmácia não resiste e pergunta: "O que tem de novidade? "Nada mais ofensivo ao hipocondríaco do que erguer um brinde e desejar-lhe "saúde!". Ele só frequenta coquetel de vitaminas. Encara sempre o interlocutor com aquele olhar de quem diz: "ando sentindo coisas que você nem imagina". No telefone, faz voz de vítima. Cara a cara, suplica, silente, a compaixão alheia.
Está sempre entrando ou saindo de uma gripe; já tomou todas as vacinas; sofre da coluna; padece de insónia; e trata o médico como faz com motorista de táxi: "Tá livre?"
O hipocondríaco entra na Justiça exigindo mandado de prisão contra os radicais livres e duvida que alguém possa imaginar o tamanho da enxaqueca que teve ontem. Enquanto outros fazem compras, o prazer do hipocondríaco é visitar drogarias de vitaminas importadas. Ingere pela manhã o abecedário em drageas e nunca se deita sem antes tomar um chá de ervas.
Hipocondríaco não tem plano de saúde; prefere cota de cemitério. Gosta de se separar da família para morrer de saudades. E fica doente de raiva quando alguém diz que ele aparenta boa saúde. O autêntico hipocondríaco carrega sempre uma dorzinha de lado, uma unha encravada, uma afta na boca, uma irritação na garganta, uma dor na coluna e umas tonturas estranhas.
Para o hipocondríaco, esposa ideal é a que banca a enfermeira; cadeira confortável é a de rodas; e cama macia, a de hospital.
O hipocondríaco é a única pessoa que, pelo som, distingue sirene de ambulância da de viatura de polícia e de bombeiro.
O guru do hipocondríaco é Hipócrates, e a sua filosofia resume-se nesta questão metafísica: "Se a gente nasce deitado e morre deitado, por que não viver deitado?"
O hipocondríaco morre de medo da vida saudável. Está convencido de que a diferença entre o médico e ele é que o primeiro conhece a teoria e, o segundo, a prática. Nunca pergunte : "Vai bem?" É preferível: "Melhorou?"
O hipocondríaco só assina revistas médicas . Mas, ao contrário do que se pensa, o hipocondríaco não quer morrer isto o curaria da sua loucura.
Nunca convide um hipocondríaco a matricular-se numa academia de ginástica. Ofereça-lhe um check-up. Os únicos exames que ele aceita fazer são os clínicos e adora ser reprovado. Se faz cooper, a perna dói; se pratica natação, fica resfriado; se flexiona o abdome , sente dor nas costas. O hipocondríaco escuta o médico com a mesma atenção que o bêbado ouve os conselhos do abstémio. O grupo de amigos do hipocondríaco reúne-se á porta da farmácia e tira férias em clínicas de repouso.
O hipocondríaco é o único paciente que consegue decifrar letra de médico. Não se recolhe para dormir, mas sim para repousar. Nunca deseje "bom-dia" a um hipocondríaco; pergunte: "Levantou-se melhor?" Aliás, ele não se levanta; tem alta. No aniversário, dê-lhe um vidro de remédios. Todo o hipocondríaco é viciado em aspirina, vitamina C e melatonina.
O hipocondríaco sabe dar nó nas tripas e acredita que o melhor lazer é curtir uma diverticulite. Considera incompetente todo o médico que diz que ele não tem nada.
O hipocondríaco acredita em tudo que os mídia falam sobre cuidados com a saúde.
Quando viaja, não se hospeda; se interna. No bolso de dentro do casaco ele não usa caneta, mas sim termómetro. E é a única pessoa capaz de enxergar vírus e bactérias em talheres de restaurantes.
O sonho do hipocondríaco é ser socorrido por um daqueles helicópteros que aparecem na TV. E fica feliz porque tanto reclamou, pois já existia telesexo, telepiada, telepizza, telesorteio, só faltava o teledoença: você liga, descreve os sintomas e, do outro lado da linha, uma voz de médico prescreve a medicação. Deve ter sido um hipocondríaco quem deu ao remédio que combate infecções o nome de antibiótico que significa "contra a vida".
O hipocondríaco não tem remédio. Ele só se cura quando morre e, paradoxalmente, a morte é o sintoma mais óbvio de que ele tinha razão. Pena que não possa levantar-se do caixão e enfiar o dedo na cara de quem o tratava pejorativamente como hipocondríaco. De qualquer modo, repare como ele, defunto, traz um sorrisinho de vitória nos lábios.
(texto recebido por mail)